sábado, outubro 07, 2006

número zero

editorial

O espírito das coisas

Todo o começo, que é sempre involuntário, envolve um agente. E cada agente involuntário um começo. Todo o agente é sempre agido e todo o começo aspira a ser involuntário. Algo me diz que há que tomar cuidado com os todos e os sempre. Todos, e sempre.
Escrever é um começo, mas não um princípio. Essas são as ilusões ópticas em que o espaço em branco nos rasteira. A escrita, essa traição permanente, essa constante deslocação, essa contínua mentira… Presente mesmo ausente e sempre ausentemente marcando presenças, cada acto em palavra nunca é uno.
E assim a criação abdica de se substanciar e substantivar ao nomear os inomináveis e fixar os infixáveis. Toda a criação é nada porque é tudo, e, sendo tudo, mais nada é que nada, se bem que possa ser menos. Não apenas porque tudo e nada são palavras - e, escrito o óbvio a distância toma corpo no vácuo- , mas também porque a criação nunca é e nunca o é. O criar é um por criar, não um criado ou um criando. Tem-se escrito.
O que anima então as palavras, as ideias, as notas, os gestos, os sentimentos? O que não é. O que não se escreve, não se pensa, não se toca, não se exprime e não se sente. O que não se compreende, um por compreender, por isso mesmo uma inexistência que se torna presente por se ausentar. Não uma falta, nem um princípio. Um começo e uma agência. Orgânicos.
O espírito da orgânica é não ser o que é, não sendo, nem por isso, o que não é. O espírito da orgânica também não é ser, nem não ser. Ou é, sem o ser, ser e não ser. Um espírito cujo espírito é o de não ser. Nenhum espírito é, como é claro.
É?

Palavras, palavras: o que fazer com tanta matéria? Suspensas, deslocadas em si, entre si e para si, apesar de si, através de si e por si. Abandonadas sem nunca terem tido dono. Onde a matéria? Onde o espírito?

O que é?

Nas coisas do espírito é a matéria o que mais importa. Exactamente do mesmo modo que o espírito é o que se destaca na matéria. Porque são-no sem o ser.
Por ser.

Orgânico. Coisas do espírito, orgânico, mesmo que não da orgânica.
Por ser.

Algo. Isso. Tudo e sempre.


editor 0
Rui Gonçalves Miranda

ensaios

A Ermida da Memória

O que aqui vedes é um sinal pétreo do que Deus quer. Sigamo-lo no vagar daquele que anseia sem desesperar, daquele que deseja sem se comover. Ouçamo-lo por breves momentos e veremos o Tempo dissipar-se, como se houvesse um enlace derradeiro entre nós e…
… e é como se da Natureza tivesse germinado aquele promontório que nos impelia a respiração por sobre a orbe de todas as coisas. Depois foi a mão humana que, guiada não se sabe por que deíficos mistérios, erigiu a Ermida a que se conveio chamar a da Memória. De ordinário a alma popular reconhece os lugares sacros, cingindo a seu peito o coração sagrado outrora inatingível. Unida a Ermida terrestre à Ermida celeste, eis o Homem adejando entre si e o seu próprio Além, pomo amadurecido duma Trindade ignota. Rememoraram-se as três Idades Divinas e assumiu-se a figuração concreta das entidades espectrais. Assim principia o mundo oculto. Ainda que o nascimento e a morte sejam o Mistério maior, a sustentação vital das coisas é, ainda e inexoravelmente, o reduto onde se refugia a esperança.
Junto à ermida, e mesmo por detrás de quem se volteia para o mar, quis Deus o detalhe frívolo dum pequeno parque de automóveis onde, por momentos, nos é dada a oportunidade de ouvir o ressoar de motores. Já não recordo se desde o interior da ermida conseguimos ouvir o estrépito do impulsor mecânico. A oração a Deus é una, não fragmenta a percepção da realidade e é, por isso, uma absorção da pluralidade do Ser numa unidade impossivelmente inteligível. O que está dentro da ermida é o meu corpo e talvez algum rastro sideral a que não sei atribuir nome, espécie de elo sacro corporalizado mas de forma acromática. Isto pressupõe substancialmente um emissor mas não necessariamente um receptor. Partamos do princípio de que a realidade do mundo é múltipla e não será grande o esforço dispendido para imaginar um mundo eterno mas com um princípio. Resumindo-me, Deus é uno, e o peregrino, parte corpórea, matéria potencialmente espiritualizada, é uma fracção de proporções ainda desconhecidas. Admitindo a unidade de Deus e a pluralidade do Mundo perceptível, a questão que se coloca é a de saber se o peregrino, tomando parte de algo, é fragmento de Deus ou do Mundo e qual a possibilidade temporal que lhe é particular.
A Ermida da Memória tem uma pequena fresta quadrangular que aponta para o Oceano, de modo que o corpo do visitante ficará detido entre um segmento atlante e a presença mentalmente remota de um pequeno parque de automóveis. O que se perde na paisagem? O que se ganha? O que se transforma? Modernamente, poderia estar em causa o conceito de relação ou até de linearidade, mas a desagregação da realidade é precedida de um movimento negativo, isto é, de uma superação do intelecto, uma ausência de manifestação positiva. Admitimos que esta realidade será sempre e fatalmente a realidade da aspiração, mas tal como na demanda agostiniana de Deus também o peregrino da Ermida contempla perpetuamente, encontrando sempre um elo que o une a um outro elo de uma extensão nunca vista. O mar é o ininteligível, o parque de automóveis é a matéria incorporando a Realidade, o Peregrino é a potência divisível, a Oração é a Unidade figurativa e Deus a Unidade Suprema. Deus foge da Unidade porque é fatal sina do Universo o Ser desagregar-se de si próprio, aspirar ao outro, ainda que seja um outro irrealizável porque coeterno. O Homem busca inexoravelmente a unidade mas por súmula de espirais ou, de outro modo, serpenteando a Realidade, sempre em direcção ao ainda-não. O ainda-não é tudo sendo nada.

Eis o Universo edificado pela Ciência. Apresento-vo-lo. Universo que se expande, Universo que se alastra para além de si próprio. E, paradoxalmente, a Ciência fechou horizontes. Criou novas perspectivas obstruindo-lhes ângulos. Apresentou o caos como luz, o cosmos como escuridão. No início era a luz, eram as partículas elementares. O sábio não se contentou com o Enigma que as paredes da sua torre encerravam. Saiu pela cidade, pelo país – foi descobrir o mundo. A Modernidade subjugou o Homem ao “Mistério” do mundo em evolução. Na presença do Mito a Ciência arremete com os seus anticorpos – a protociência. Edificou-se o Universo que aparentemente se sobrepôs ao «Universo sem História». E com isto finda no paradoxo da Criação. Tudo o que existe está espelhado no mundo das realizações. Porém, a aspiração não envolve consciência. Que Lucrécio tenha visto a evolução dos veleiros no porto de Roma é um facto que se efectua num espaço-tempo mínimo. Os Descobrimentos portugueses efectuaram-se dum «espaço-mínimo» para um outro «espaço-mínimo», porque alargaram perspectivas sem desobstruir a raia do Mistério, a fronteira ténue entre o Conhecimento e a Esfinge. O Universo obscuro continuou presente. Houve uma luz que irradiou em nós, mas não houve ofuscação dos limites. A Modernidade é o discípulo querendo a «morte» de seu Mestre, e os Descobrimentos viram a posteridade usurpar o seu legado, o de um «espaço-mínimo» reverenciado, como uma oração que se perpetuou de dentro para fora. Não há quem nos diga onde finda a oração. A Ciência progrediu a expensas duma desobstrução múltipla. Edificação a custo de destruição. Luz que ofuscou o Homem, porque expôs o Universo «tal como ele é». Infinito mas sem novidade. Mundo em Evolução mas sem Além. O Homem, que sonhara um Mundo Eterno criado, que sonhara a realização humana inacabada, a aspiração ao «ainda não» sem pretender encontrar o cabo do Universo, viu espelhado o horror da realidade desentulhada.
O Peregrino é, acima de tudo, o complexo. Não a complexidade da máquina e dos sistemas mas a complexidade do Infinito, a negação categórica dos «ismos» e de todo o género de soluções e conclusões inquisitórias. Nem unidade nem multiplicidade. O Peregrino é a complexidade da possibilidade de nem sequer ser complexo. Ser simultaneamente efémero e eterno, pilar frágil que sustenta a ponte entre o mundo e o i-mundo. Ser miserável e bem-aventurado, terreno e contemplativo, indefinível e concreto. O Peregrino abjurou a potência do Uno, orou prostrado diante de si próprio, imagem afunilando no promontório atlante.
A Temporalidade do ainda-não é a do «espaço-mínimo» da memória impulsionando o actual ao assombramento do futuro. O movimento do Passado é Eterno por princípio pois não esgota a possibilidade do porvir. A luz que o Passado estende na linha temporal é a Saudade porquanto inconsciência dum estado outro, dum estado divinatório que espirala a Realidade e, como tal, não se esgota na decifração humana. Ainda que possamos admitir a luz ou aquele mesmo Sol albergando o corpo de um Prisciliano, a atitude perante as chamas e os clarões derradeiros só pode ser a de uma firme incredulidade. O Peregrino olha-se e suspeita das suas próprias categorias, daquilo que lhe outorga uma existência particular. Nem método nem refúgio na pura abstracção. Apenas confluência de sombras e luzes.
Assoma a Orgânica do «espaço-mínimo», facho que não rompe todas as sombras. O Mundo carece de sombras, de agnosia, porque a Vontade precisa de espaços exíguos e sombrios. O Poeta lega as trevas. O Filósofo já não é o sacerdote da Luz mas o escravo Esteta que desce às catacumbas, às criptas da Verdade e narra as maravilhas que imaginou, o Milagre que ele próprio concebeu entre sangue e morte, das trevas fazendo luz. Ascetismo etereamente ascendente, materialmente descendente. Platão sabia-o já, não há evocação das Ideias sem a presença das sombras. A Paris do Peregrino não é a que ele sente no ferro da Torre Eiffel. É antes a que ele inveja não ter percorrido no vagar dos aristocratas. É antes a que ele sente, orgulhosamente, não dever visitar. O Peregrino lamenta a sua presença na Ermida. Há-de partir para não mais voltar, para esquecer o polvilho estalando entre a pedra fria da Ermida e os seus sapatos.
A Orgânica é sempre a de um «espaço-mínimo». Orgânica da Ermida da Memória, onde um peregrino não alcança os limites do Mar. Orgânica dum quarto iluminado numa mansão escura. Duma mansão iluminada numa cidade escura. Duma cidade iluminada numa Nação escura. Duma Nação iluminada num Mundo escuro. Dum Mundo Iluminado num Deus que aspira ao que não é, que é o nada que é tudo. Serpente da Realidade, Orgânica dum Universo cheio de nadas.
Leonel Ferreira

ensaios

Entrelinhas do Mundo

É lamentável não poder deixar de lamentar que pensasse poder chegar a um estado que não este, a consciência do total absurdo que sou, do riso que solto e do choro que não contenho por não saber do que rio. Eu sei porque não sei, sei-o bem, apenas não digo a ninguém, nem a mim.
Tudo mexe, tudo corre, tudo ri porque pensa que pensa, tudo mexe, tudo corre, tudo, tudo… Menos eu, claro, num eu que muda dependendo de quem o diz. É curioso como me faço esquecer disso, amarrando-me ao eu que sou, mesmo quando o humano, e o demasiado dele me fazem rejeitá-lo. Escrevo-o aqui, sinto-o, mas a rejeição não é plena. Há algo notável no humano, algo que o lança para fora de si, que o faz querer não ser o que é. Uma assumpção em forma de anti-si que não me deixa tornar partidário de um completo anti-humanismo. Gosto do humano, mas daquele que não o quer ser, daquele que se envergonha por tanto se agarrar a ele próprio. Essa actividade constante de auto-negação é louvável. Admirável. O estar entre coisas e não gostar da coisa que se é. Mas não será assim com coisas outras também? Pessoa terá razão quando afirma que o fundamento da vida é a inconsciência. Provavelmente. Adiante.
Tenho, obviamente, noção do circunstancialismo de mim, da irrelevância de nós, todos teremos. Coisas tão grandes que nos fazem pequenos, que nem olham para nós como eu não olho para uma minúscula pedra que calquei e nem reparei. Coisas tão grandes e afinal tão pequenas por comparação com coisas maiores afinal tão pequenas, e assim por diante nesta lógica que é simples por lidar com coisas complexas. Pensar coisas que estejam imunes a tal lógica, parece, deveras, trabalho impossível. Com certeza é,– basicamente seria a resposta a uma coisa de tal forma assombrosa e inominável que nem me presto a tentar sujá-la com uma qualquer palavra, sempre redutora - mas a sensatez que outra idade me daria não a tenho. Para tudo ser como é, algo nas entrelinhas das coisas deve desafiar essa a-lógica, tem de desafiar. Porque sim. Algo que na sua diferença as torne irmãs, que as suspenda, que as vivifique, que as dignifique. Ser mais que o raio de um ditatorial destino de mudança, em que sou obrigado a saber que vou ser tu e que tu vais ser eu, em que depois não o saberemos nem nos perguntarão se nos lembramos.
Preciso do berço das coisas, aquilo que faz o homem olhar-se com desdém e elevar-se ao que não é. O grego chamava-lhe Ideias, plenas na virtude da imaterialidade. Maus exemplos, relativos, mutáveis no tempo, exageradamente humanos. Não é isso, tem que ser mais bonito, mais simples, como o significado da palavra… bonito. Quero o pré-humano. Aliás, o pré-mundo, o que transforme o mundo e o para além dele numa coisa que tanto é como podia não ser. Que algures estivesse, fosse o mundo assim ou de outra qualquer forma. Que subsistisse, existindo animais, terra, mar, ou não existindo nada disso. Existindo estes mundos ou absolutamente mundo nenhum. Creio que há pelo menos uma coisa assim.
O idílico efeito que provoca desvia a atenção. É natural, a alienação é completamente involuntária e não há espaço para atenções, apenas para fruições, alegres, aterrorizantes, deprimentes ou simplesmente belas. Pega-nos pela mão, e leva-nos. Não há nada a fazer, o estar na vida o impõe. É uma imposição estranha, em que nós próprios exigimos a aceitação dela. Damo-nos, sem o dizermos, sem obrigações apesar de obrigados.
É assim a Música. Força incomensurável. Visceral. Vital. Beleza desnuda.
As notas musicais são tudo o que desejava o grego: tão velhas quanto o tempo, absolutamente incorruptíveis, imateriais apesar de, de certa forma, materializáveis. Invisíveis, mas inegavelmente reais. Imutáveis. Completamente imutáveis! Um Fá mantém a mesma substância Hoje, Ontem ou Amanhã, aqui ou em qualquer lugar do universo, pela minha voz, pelo rugir de um leão, pelos cascos de um cavalo ou pelo movimento de um cometa. Não é possível a mudança porque há intocabilidade em grau máximo. Isto é, para mim, fascinante. A chata lógica referida há pouco parece que tem adversários. Ainda bem.
Já vi gostos de uma ponta à outra da vida, a coisas tão belas se torcer o nariz. Nunca tive o desgosto de conhecer alguém que não gostasse de música, de música em geral, de um tipo de música, de uma música em particular pelo menos. Colocando a hipótese de essa pessoa existir, certamente não deixará de lhe agradar a fala de alguém, a gargalhada de uma pessoa querida, o ladrar de um cão, o som do desfolhar de uma página, entre outras pequenas situações que por insondáveis razões podem agradar ao ouvido. A música está em tudo, entranhada e inseparavelmente, no confortável, mas também no oposto. Não deixará, portanto, de estar no grito de desespero, de dor, no ruído, no sussurro de um moribundo e mesmo na latência das coisas que aparentam não fazer barulho. Tudo faz barulho, inevitavelmente. Tudo canta à sua maneira. O sangue deste corpo parado espalha música enquanto corre. Este é o sentido lato da música, dos sons, não apenas da melodia que nos deslumbra enquanto desenha surpresas na imaginação. Mesmo no sentido tradicional a sua presença é indispensável, na festa e no lamento, no casamento e no funeral. É uma arte de carácter especial?
Não acho que possa ser definida como uma arte. Está muito para além disso, ainda que também o seja. É uma arte, mas praticamente faz com que as outras artes dependam dela. Um bom poema necessita que as palavras joguem melodicamente entre si, no fundo, que musiquem. A Dança não vive sem a música, tal como o Cinema ficaria grandemente ferido sem a força da música no momento chave de determinada cena, sem a força de um grito de medo quando o objectivo é impressionar o espectador. Até a pintura, - que é a meu ver menor, porque estática, e dependente do tratamento da imaginação humana, - não atinge objectivos se o observador não aplica ao que vê sons e melodias imaginárias. Esta afinidade entre sons e imagens é outra curiosa questão que pode não deixar as notas musicais sozinhas neste debate de atribuição de intemporalidade. Até que ponto as principais cores não ostentam o estatuto da música é uma possibilidade pertinente, mas não para agora. A música aqui merece estatuto de exclusividade e, mesmo que não merecesse, não lhe importava nada, o mundo continuaria numa imparável e gigantesca ressonância… à sua custa.


André Faia

ensaios

“O Mundo é absurdo”
Schopenhauer

“A loucura é rara nos indivíduos;
Contudo, em grupos, partidos, povos e eras, é a regra”
Nietzsche

“Quando estamos felizes somos sempre bons;
Mas quando somos bons nem sempre estamos felizes”
Oscar Wilde

“Vive como gostarias de ter vivido quando morreres”
Gellert

"Atraem-nos mais as canções que não escutamos”
Keats

“É desumano abençoar quando se é amaldiçoado”
Nietzsche

“Eu nasci viva;
Não é isso castigo suficiente?"
Mary Hendricksen, no seu julgamento por parricídio

“Pai, porque Me Abandonaste?”
Jesus Cristo, na Cruz

“Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?”
Alberto Caeiro

“Não quero saber. Não quero mesmo saber”
John Tardy


Ocasos do acaso

Às vezes estamos em casa, no aconchego do lar, no seio da família, e pensamos. E achamos que bem poderíamos estar a fazer algo bem mais produtivo que pensar. Poderíamos, por exemplo, abrir uma janela e olhar lá para fora, para a chuva que cai, solene e solitária na noite escura e fria. Poderíamos abrir um livro e passar os olhos pelas folhas brancas ou amarelas, folheando descuidadamente o que já alguém folheou avidamente, ou sempre ficou na estante a apanhar o pó nosso de cada dia, porque este, tal como a morte e os impostos, tarda mas não falha. Nunca. Poderia, mas não o faz. Poderia, tal como nós poderíamos, por exemplo, ligar a telefonia e ouvir as doces melodias que nos chegam através das ondas de rádio emitidas desde um qualquer lugarejo perdido numa qualquer selva urbana, onde goteja industrialmente há anos, tanto da chuva pesada e sufocante como da canalização decrépita e enferrujada do compartimento de evacuação de detritos masculinos do andar de cima. Sim, poderíamos fazer isto. Ou até mesmo fechar os olhos, apagar a luz, guardar silêncio e esperar que todo o ensurdecedor ruído do mundo exterior se calasse por um segundo que fosse, por um ínfimo e misericordioso segundo que fosse. Poderíamos fazer isso. Mas não fazemos. Não vale a pena...

Nada do que qualquer um de nós faz ou diz deixa marcas para sempre. Por muito que se contribua para a História e os seus Anais, há-de chegar o dia – ou a noite – em que o pano cairá para toda a memória da espécie humana. E daqueles que não têm a fortuna de gravar os seus nomes ou os seus feitos nos cânones da glória da Humanidade, não reza mais que o sussurro de vozes que se apagam como uma vela ao vento de Outubro. Quem vai saber o que qualquer um de nós fez hoje daqui a duzentas revoluções de transladação sideral? Quem vai querer saber o que qualquer um de nós fez hoje daqui a duzentos anos? Talvez um qualquer muito interessado estudioso de história se interesse por aqueles que levaram avante grandes feitos, grandes obras, grandes conquistas, grandes descobertas, grandes mortandades, grandes empresas. Mas nada saberá daqueles muitos que fazem do viver hoje a maior de todas as conquistas, a mais gloriosa de todas as empresas. Molière disse que “preferia viver dois dias na Terra que mil anos na História” mas esqueceu-se de perguntar se a História queria fazê-lo viver mil anos nela. Também não acredito que a Terra lhe tenha prestado muita atenção. De qualquer das formas, o pobre francês nem se deve ter apercebido que não há mais História que a Terra. Essa é a verdadeira História, a que está verdadeiramente plena de grandes batalhas, grandes conflitos, grandes traições, grandes loucuras, grandes desastres, grandes acontecimentos que marcam bem marcado o trajecto de quem nela está. A História, a outra, essa não é mais que uma muito boa desculpa para dar emprego a mais alguns licenciados em ensino, para ocupar as mentes duns quantos pobres coitados que não têm coragem para aceitar o seu tempo como sendo o seu tempo, para distrair todos aqueles que acham que faz algum sentido tentar fazer com que faça sentido ordenar como que por magia uma série de factos que não passam de passado. E o passado não existe. Já foi. Nada pode ser mais absurdo que tentar perpetuar o que já o não é. Nada é mais absurdo que presumir haver mais história que a deste mesmo dia no qual estamos e para além do qual nada mais há senão História. Que importa descobrir o caminho aeronáutico para a Belize Superior? Daqui a seis mil anos já não haverá Belize. Daqui a sessenta mil anos já não haverá caminhos. Daqui a seiscentos mil anos já não haverá aeronáutica. Daqui a seis milhões de anos já não haverá seres humanos. Daqui a seis biliões de anos já não haverá sequer Planeta Terra. Não haverá senão História. E ninguém para o saber. Tão certo como a morte e os impostos. Ou mais ainda...

“Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida...”
Fernando Pessoa

Quantas e quantas vezes os ditames da experiência nos não toldam os humores de feição e nos remetem para lugares de melancólico recolhimento no mais profundo abismo do nosso ser, no regaço da avó que nos embalava ainda bebés, no pôr-do-sol alaranjado em fins de verão enquanto segurávamos a bicicleta novinha em folha, nos olhos raiados de emoção no primeiro dia de escola, o primeiro dia do resto das nossas vidas, aquele em que mil e um sonhos nos desfilam diante da mente, qual Sherazade menina encantada na inocência de quem ainda sabe sonhar. Quantas vezes olhamos para trás e vemos que não vemos o que víamos quando lá trás olhávamos para o então futuro. Quantas vezes pensamos que deixámos o dom de sonhar em cima da mesa-de-cabeceira e que sabemos que está lá e que basta ir lá buscá-lo quando precisarmos dele outra vez. Mas tal como num sonho em que o prado vai ficando cada vez mais inclinado e a luz do sol cada vez mais negra, tal como a relva e os lírios se transformam lentamente em ervas, urtigas e urzes de espinhos, tal como as macieiras e as pereiras se transformam em carvalhos e cedros pesados e nus, tal como o chão firme e quente se transforma mais e mais numa ravina íngreme, fria, negra, funda, pela qual caímos e caímos sem saber para onde nem para quê, também assim o nosso dom de sonhar se transforma lentamente num amontoado de pregos e parafusos enferrujados, retorcidos e carcomidos pelo tempo em cima da mesa-de-cabeceira, até que um dia nos lembramos que o deixámos lá e vamos procurá-lo, apenas para não distinguir a madeira de contraplacado do metal opaco da mesinha, e então olhamos para trás e vemos que continuamos a cair na ravina, e continuamos sem saber para quê nem para onde...

“A beleza não é mais que a Verdade sob o seu aspecto mais risonho”
Platão

Platão dizia que se devia educar através do exemplo. Dizia que na educação não deveria haver qualquer lugar para a emoção, fosse ela qual fosse, por veicular alterações ao espírito que poderiam perturbar a ordem na e da Cidade; que se deveria ensinar unicamente as histórias dos deuses e dos heróis moralmente rectos, valorosos e superiores; que se deveria ensinar exclusivamente o caminho da austeridade e do rigor. Hoje em dia também se educa através do exemplo, se bem que a disciplina e o rigor nos soam nos ouvidos como resquícios de traumas ditatoriais passados. Hoje em dia não queremos acordar o monstro que ficou a dormir lá trás, nos cobertores nauseantes da História que é nossa. Hoje rejeitamos os ditames Platónicos como totalmente desajustados. Justiça se nos faça, uma sociedade sem emoção não é uma sociedade, quando muito é uma linha de montagem duma fábrica de peças para máquinas humanas. Mas o trauma... o trauma... sim, o trauma ainda nos arde na nuca e faz-nos não querer voltar a fazer o que não se pode voltar a fazer. Rigor? Disciplina? Nem pensar, são palavrões, são bocados de lixo mal triturado pela máquina terra planadora da liberdade, são caroços de pêssego que ficaram debaixo duma roda do camião de trinta e seis toneladas da liberdade, são os espinhos cravados na mão do punho fechado da liberdade, são o bocado de nervura presa que não sai da faca de dois gumes da liberdade...
Até que ponto é que os novos tempos derrubaram a velha Esparta e trouxeram a gloriosa Atenas? Até que ponto se não cai no erro de confundir liberdade com permissividade? Até que ponto não se confunde o fim do excessivo rigor disciplinar com indisciplina crónica, o fim da austeridade com falta de respeito, o fim da ditadura com o advento da Lei Natural? Até que ponto discordar de Platão tem de ser sinónimo de concordar com Giddens? Até que ponto derrotar Esparta tem de ser sinónimo de pavimentar a ouro o surgimento em glória da Babilónia Escarlate?
Hoje em dia estamos a educar para a construção de uma sociedade de indivíduos materialistas, lascivos, egoístas, sem respeito por si nem por outrem, sem valores para além da auto-promoção lúdica e pré-fabricada, sem perspectivas para lá do carregar num botão para que tudo apareça feito, sem saber verdadeiramente ser nem estar. Hoje em dia, tal como advogado por Platão, ensinamos através do exemplo: não poderemos exigir rigor nem disciplina àqueles a quem não ensinamos rigor nem disciplina. Os rugidos do passado impedem-nos de ouvir para lá das odiosas palavras de Vasco Gonçalves: “Ou se está com a Revolução, ou com a Reacção, não há meio-termo”. Se assim é de facto, não haverá diferença alguma entre a sociedade da ditadura de Platão e a ditadura da sociedade dos nossos dias.
João Tavares

poemas

Tempus Fugit

Somos vozes inclusas no desejo lânguido de pertencer
A esta luz onde a alma finda e se recolhe na memória
Deus, me dê a hora de eu, por mim, escolher a vontade deste inconcreto drama no palco, Deus permita o fingimento ter o seu repouso, que me vai ocultando a palavra, o infinito, a voz que vagueia na senda da capitulação
E um suspiro a quebrar a consciência
Na sombra de aço
Aquando o vento arrasta a sua encenação
E a escuridão nos candelabros da cidade
Sombras chinesas
Arrastam sentidos, diluem-se nos olhos fartos de nada verem.
Por quem esperas, poeta?
Por quem sonhas, quem saúdas
No surgir da morte de insistir
Após os túmulos de néon
E cegos prazeres metálicos convergirem e
Se extinguirem na arcádia do sonho?


Reis Neutel

poemas

Três vezes de volta do coração
(volta em volta)
Acabou o verão, e meu coração é um incêndio
Luz fugitiva no matizar do instante
Paisagem brusca de sentidos

Acabou o verão, e meu coração é um inferno
Na alma o cálido gotejar do tempo
Invenção de repouso invicta

Acabou o verão, e meu coração não mais que um conto
Apaga as distâncias da distância
Com o desenleio dos sorrisos

Acabou-se o coração, nunca mais noites de veludo
Nem o sopro morno do amor
Nos deixarão despidos

Só não acaba este acabar, instintivo lampejar
Amante das dores do amar
Inquieto desejar
Rui Gonçalves Miranda

Porque o coração, mas quem o disse, é um abismo,

não sou senão o ser que não há

jamais

influxo pulsar na estrada de sangue da alma

meu coração, de carne, orgânico,

prazer instinto inquieto fatal




Porque o coração humano, alguém o disse,

o humano em coração é um abismo

a mais

volve e revolve e envolve e dissolve

meu coração uma mentira de facto

um bater sem de ter qualquer sinal




Abismo de carne e nervo e sangue e calma

papagaio de dor novelo ao vento

horizonte sem linha descaído



Rui Gonçalves Miranda

Amar é escusado que amar-te não sei
Porque não és senão amor
E eu amar amor não sei
Porque és o que sinto e canto
E respiro na paz calma
Do Verão de que Apolo parte
Amar o que sou não sei
Porque não sou senão
De ti o amor
Amar-te amor não sei
Porque o amor não é amar
Amar-nos amor não sei
Porque amar é só gostar
E não sendo nós senão amor
Porquê amor amar


Rui Gonçalves Miranda

em prosando

O foguete

Quando o comboio chegar, antes do padre inclusivamente sair, já Joaquim de Almeida saiu da estação, afrontado. Chupando o cigarro como uma promessa, uma névoa de fúria perpassa-lhe a fronte à medida que entra na farmácia, a estrada atravessada, a porta trémula ainda vibra agora que ele acaba por se rir, seco. Ai o filho da puta.
Na gaveta nunca faltou um maço, e Joaquim, antes de esperar o amigo, agora à porta da farmácia, espera, pelo vidro, que o baloiçar gordo e pesado do padre se afaste triunfante das imediações. Amarrota o invólucro usado e esquece-o no chão, ao passo que tenta ignorar o que o padre lhe diz e faz, e com o fumo engole outro Ai o filho da puta. E o velho Esteves das andanças de Coimbra sai para a praça a sorrir. Também nada tinha mudado fora dessa estação.

O padre Hermínio, conhecido por ser um bom homem, nunca teve quem o considerasse, sob qualquer perspectiva ou ponto de vista, uma pessoa flexível. E, à medida que os anos lhe carregavam os ossos e os pulmões, a própria paciência secara como um cacho de uvas. Ainda assim, sempre respondeu à vida com um sorriso, o que notoriamente, e em alturas mais atribuladas, lhe arranjou número igual de amigos e inimigos. Mas tempos idos, idos vão.
Já o cão, com aquele tão seu rabo oscilante, pondera apenas com as patas a calçada fresca do Outono e, cauteloso, coloca-se sempre à direita do dono desde que viu um carro pela primeira vez. Quando o sol brilha assim, e no granito cintila a espessura acetinada e nevrálgica de chuva que caiu, o Criador torna-se necessária e logicamente lógico e necessário. Começaram ainda agora a cair as primeiras folhas e há um silêncio inesperado, mas feliz.
Isto de ser feio terá o seu encanto, até porque a beleza não se escusa a ser bastante heterodoxa, mas tempos estes de heterodoxos nada têm, e está a vida pela hora da morte, certo e sabido. Claro que o bicho não tem culpa, nem de tanto se apercebará, mas aquele focinho em posição de encaixe, os olhos de insecto doentes e lacriminosos, tudo servido num embrulho de pêlo de rato não dificultam a tarefa de que o óbvio se confronte com o desagradável. Obeso, um pipo com pernas de mosquito, o seu feitio apenas compatível era com o do dono. No demais, dente neles. E quando o padre morre, não se imagina que este bicho, desprovido de tudo menos de gratidão, montará guarda até morrer também sobre o jazigo cinzento, que hoje não existe já. Tudo em vão. O bicho não mais saiu do cemitério a não ser para enterrar.
Mas muito antes disso, e não há que esperar quase nada, acumuladas que estão as tensões após o episódio do cão, o padre ainda espetará uma fascista trombada com o guarda-chuva na progressista (e progressiva) careca do Almeida. Ou melhor, ou o pedreiro-livre do Almeida vai aprender a primeira consequência dessa lição que ele prega à bordoada, sorvida que foi de bigodes inquietos e lascivos, entre dois copos de vinho e as colaboradoras da Casa do Touro, que ele julga que se chama liberdade. É tudo uma questão de escolher o narrador.
Acção-reacção, assentirá logicamente o cérebro do farmacêutico à medida que o padre pensa na divina providência de hoje, que nem ameaça chover, se ter lembrado de sair para a rua de guarda-chuva. E na rua do Souto, em Braga, entre a Sé e o Paço, Joaquim de Almeida lançou-se sobre o padre com uma agilidade que os seus maduros anos não permitiam já. E quando o padre tombar como uma caneca na mesa, pensará ainda o Almeida acção-reacção, e o padre na providência de tal lição de humildade.
E o professor Machado, que vinha com o Padre de mostrar a Sé a um primo do Brasil, colossalmente se encarregou dos litigantes como quem trata de dois moços, e só não levaram umas palmadas porque a régua ficou na sala-de-aula, que chatice, e como já nenhum deles tem pais para lhes acertar o respectivo passo, o professor concluiu tristemente que a situação só podia piorar.
Vá-se lá foder, homem, disse Joaquim, ao que Hermínio respondeu, Vá chamar enxota-diabos ao caralho. Você julga que eu não tenho aqui amigos? Só ajudo quem precisa, sua cavalgadura. E o professor sorriu dos figurões. Enxota-diabos, do que esta gente se lembra.

Sorri o Esteves e, sem indícios de malícia, observa a província. Dez anos. Dez anos e o Joaquim da botica nem embranqueceu o bigode (com o chapéu posto, o Esteves não lhe descobre a careca), rijo como os penedos, ao passo que ele, sabe Deus, cada dia mais se parece com o avô que, aos setenta anos, trajado de gala, se pendurou do sino da Igreja. E o marulhar inconcluso da pequena multidão no dia seguinte, vergada ao peso impraticável da vida, foi algo de que nunca se conseguiu esquecer, assim como não se esqueceria nunca, se bem que do lado oposto dessa armadilha que é a memória, da primeira vez que o viu, ao cavalo que agora revê- talvez não seja o mesmo mas é igual- a sorver, ao lado do companheiro de cavalgada que é o Capitão Serra, um litro de vinho ao balcão da tasca do Azevedo. Nada muda neste mundo, pensou estereotipadamente então, e o rabo do cavalo, enxotando as moscas como um transitório símbolo da imutabilidade das coisas, desfraldava-se para fora da porta do tasco como uma bandeira.
O Joaquim da botica ainda tem o abraço largo dos amigos que têm saudades, mas hoje parece inquieto, e o seu riso nervoso torce-lhe o bigode como uma má recordação. É só depois de duas postas de bacalhau frito e de uma caneca de vinho que acalma (Francisco Esteves é abstémio fora do Porto, depois dum incidente raro com um oficial de Cavalaria em Bragança, dizem as más-línguas, que não as há boas), e decide, friamente, que amanhã irá a Braga a averiguar da posição deste em relação às práticas de exorcismo. E a lembrança do balouçar pesado da batina do padre pela estrada fora mais o mafarrico era uma luva de gelo no seu coração.
Quando o velho Capitão finalmente larga o Jaime do Azevedo e se dispõe a sair do tasco, puxa as calças para cima, depois de cuspir para o chão, e resmunga Ninguém merece isto, que se vão foder todos amais a grande puta que os pariu, e, ao subir para o cavalo, vê-se pela primeira vez, nota-se o que todos sabiam. Que é velho, e que quem muito fode, acaba fodido. A quem se referia quando dizia todos, ninguém o sabia, mas o cavalo largou num ímpeto de certeza, como se um foguete. Como os homens se matam por essa vida fora, sorriu o Esteves tristemente, quando dois dias depois, antes de regressar ao Porto e se despedir da careca pisada do Joaquim por outros dez anos, soube do ocorrido.


Agora, antes do comboio parar, tem que ser agora, e é mesmo agora, o Padre baixa-se e o corpo do Foguete aparece à janela, com aquele focinho mal cozido. Quando Joaquim repara no insólito, e concentra o olhar no bizarro, eis senão quando a pata direita deste se levanta e parece acenar, como quem diz, Podes chamar outra vez o canil, mas eu estou aqui, e o padre levanta-se e ri. O raça do home é que é tolo, exclama o aguadeiro, mas logo emenda, Não há dúvida que tem a sua piada, não acha, patrão? É isso que eu queria dizer. E de pensar que lhe levaram o bicho. Eu não é só por dizer, mas se não fosse por mim topá-lo, patrão, quando o levaram, lá tinha ido o Foguete para o Diabo. E o patrão, que não é o patrão, mas o Almeida, responde O pároco é único, este é único, não haja dúvida. E o único, se não percebesse tanto de espíritos e fantasmas, apostaria, como todos, que o Quim da botica, é o Esteves que também o pensa, está possuído e leva fogo no cu, ninguém o pára daquela estação para fora.
Mau vício, ainda o há-de matar, grita-lhe o padre ao sair da estação, quando o Almeida sai da farmácia, e finge, fumando, a grande custo, não ouvir. Quem está mais perto da morte até é ele, mas só Deus sabe, e Deus sabe de todos, e nem um ano mais terá, mas Deus cala-se. E o padre pega no cão e acena, uma última vez, segurando a pata lânguida do quadrúpede. Mas quem nada sabe é o Esteves, e do caricato se ri. Não se lembra de ver um cão tão feio. A província nunca muda nem mudará.
Rui Gonçalves Miranda