quarta-feira, julho 11, 2007

NÚMERO NOVE

Editorial

O Homem, a Esperança e o seu ter de ser

Temos uma talentosa e estrutural capacidade, enquanto espécie, para desviar atenções do que nos inquieta, pegar no objecto e amassá-lo, moldá-lo, mudá-lo de posição, pousá-lo deste lado onde a luz não é tão forte, ou daquele onde ressalta à vista um pormenor particularmente mais interessante. Pormenor de pormenores vários menos pertinentes que assim ao longe até são um mero e normal relevo. O criar, o acto da escrita enquanto concretização – ou tentativa - do criar é disso exemplo. Porque desejo criar? Eu, espécie humana, crio porque sou testemunha do criado, do animal – que não é testemunha e por isso não quer criar -, desta terra, de mim e de ti, de mim hoje porque ontem criado, de mim hoje porque hoje criado, porque amanhã criado, porque em tudo, para sempre, criado… Desejo criar por saber que nunca o fiz verdadeiramente, desejo de uma vez para sempre criar um objecto que de todo em todo seja minha total criação. Total? Parcial? Faz sentido questionar totalidade ou parcialidade em questões que tem que ver com o novo, com o nunca antes ocorrido? Um novo que não é todo novo não é novo. “Há (…) uma separabilidade total entre o ente e o real”, disse-se aqui numa anterior edição. Ora, isto faria sentido se considerássemos o real como reais parciais. Se ao conceito de real não está colado o conceito de totalidade, não é de real que falamos, mas de perspectivas deste. A demarcação de um ente particular relativamente ao real é um modo de ser do real e de longe por este observado, não pode haver separabilidade, o real é os entes, todos os entes, mesmo os que já não existem. Aliás, o real de agora é esses entes, em última instância.
“Intuitivamente não imagino como pode a necessidade ter lugar, seja no futuro ou no passado, pois não há previdência no mundo que sustente a impossibilidade”… Da minha parte, não imagino como pode a contingência ter lugar, a impossibilidade é uma consequência inevitável de um mundo que está em andamento. Quando um ente cria um trecho musical será o fruto de uma de várias possibilidades ou será a possibilidade única, inevitável? Quando todo um passado cósmico, terrestre, humano, pessoal, se funde e origina “aquele” ente, com aquelas circunstâncias de vida, com aqueles características idiossincráticas, com aquelas características físicas, mentais, espirituais, com aquelas ocorrências de há 5 minutos atrás, aquelas visões, audições, toques do último passeio pelo jardim, etc… Quando tudo isto se junta será da autoria da criatividade a composição do trecho musical? E será de minha autoria isto que digo ou será de minha – tudo o que não eu – autoria?
“Esta espécie de holismo não só aniquila a separabilidade como permite que as grandes Revoluções da Humanidade tenham origem em actos aparentemente triviais.
Nada escapa à Ordem”. Não só todas as revoluções tiveram origem nesses actos como este acto de esticar a perna marcará para sempre o rumo do mundo. No imediato isto é irrelevante, mas produzirá cada vez mais efeitos transformadores à medida que o tempo passe. Aquela coisa semelhante a um humano que, em 3509, cuspirá para o chão, não o faria naquelas condições espaço-temporais, naquele preciso momento, naquele preciso sítio, não tivesse eu esticado a perna. Porquê? Nada será igual para mim, o meu corpo mexeu-se, tornou-se diferente, criou-me uma memória, esta memória ressurgirá no futuro e irá torná-lo diferente, a mim, por consequência ao que me rodeia e por consequência ao que rodeia o que me rodeia, numa lógica sem fim e em crescendo. O que ocorrerá em 3509 é o acto de uma potência, não de uma possibilidade, mas da potência que é a única possibilidade. “O Nada estará votado à impotência”. Não será essa a condição natural do Nada, ser impossível? O nada é um termo, tal com o infinito, ambos inconcretizáveis, ambos impossíveis. Trágico é o nada ser impossível e essa é a angústia humana, o algo nunca dar lugar ao nada.
Mesmo o fogo que parece recriar-se ao arder arde do seu particular modo que é efeito de uma causa. O meu espírito criativo que pensou fazer emergir a novidade quando criou teve os impulsos que teve, imateriais até, porque a isso foi impelido. A arte enquanto criação não existe, existe apenas como interpretação. O artista é um intérprete, vive e emociona-se com a arte, sente-se vibrar, mas é esse o seu fado, mais nenhum.


André Faia

Poesia

Colagens falsas

É nas ruas despidas de razão
Que me sento à espera do dia que comece
Mas o dia não começa
Porque nas ruas despidas de razão
É sempre noite.

Olho em volta sem olhar para nada
Tenho os sentimentos pendurados ao peito
Como medalhas que não mereci
E me deram na guerra por declarar
Na qual não lutei
A não ser todos os dias da minha vida
A todas as horas
Sem descanso.

Um gigante de pedra desce a rua sem razão
E pergunta-me as horas
Eu respondo que não sei de que me fala
E peço-lhe misericórdia de joelhos
Antes de acordar estendido no passeio molhado
Da estrada de éter que percorre
Aos zigue-zagues embriagados de sentir
As ruas sem razão.

Fujo para longe para não sair do sítio
Percorro para trás um caminho trilhado
Com pedras e espinhos que leva
A lado nenhum
Nas ruas sem razão
Não se vai a lado nenhum
Só se fica lá
Com os sentimentos pendurados ao pescoço
À espera que caiam duma vez
Para não ter de se ficar curvado com o seu peso
Até tocar com o nariz nos joelhos.

Liberdade duma vez
Para quê, mesmo?
Ah, pois, que interessa?
Venha a noite moribunda colher os frutos podres
Da razão asfixiante –
Não quero saber

Na noite fracturada gemem as consortes nupciais
Nos passeios desertos milhares de desperdícios acotovelam-se
No meu peito ferido infinitos sentimentos me queimam
E me condenam ao degredo ignóbil
De deambular perdido e sem sentido
Pelas ruas desprovidas de razão
Para sempre...

...ou enquanto os deuses se divertirem...

Contagens fartas

Foste tu, Infância, que fizeste de mim um menino?
Foste tu que me lançaste perdido no mundo
Do quero fingir que faço de conta
Que é a brincar que imagino?
Foste tu que me puseste a querer ser
O que queria ser quando já não fosse menino?
Foste tu que me fizeste pensar
Que ia ser o que quer que fosse que eu ia ser?

Traidora...

Porque acordo eu então, longe de ti, Infância
A querer ainda ser o que não sou ainda,
A sonhar para fora o que vivo para dentro,
A imaginar lá longe, no porvir,
Que vou ser o que ainda vou ser?

Mentirosa...

Foste-te embora
Deixaste-me entregue nos braços crus da realidade
No abraço frio da existência
E não me deixaste ser o que eu seria lá longe, no porvir
Mas o porvir chegou e eu não sou o que seria
Eu não sou o que fingi que fazia de conta
Que brincava que imaginava que seria

Foste embora...

E deixaste-me órfão de ti
Preso nas tuas sobras...


João Tavares

Poesia

Ecmnésia e Vertigem

O cansaço capitulou os nossos desejos,
O reflexo do sonho errando nas esquinas,
A solidão do arauto do mundo.

Fora destes versos,
Quem revela a máscara ao sorriso?
Quem traça as pontes aos viajantes
Sem destino?


Reis Neutel

Ensaio

SEBASTIANISMO E TEMPO

Passado e Saudade

No dia 20 de Janeiro de 1554, dia de S. Sebastião, as procissões e orações pelo nascimento do herdeiro do reino de Portugal multiplicavam-se em todo o país, particularmente em Lisboa. Sampaio Bruno, no Encoberto, recorrendo ao testemunho de Frei Bernardo da Cruz, adita os motivos da expectativa lusitana: o desassossego do povo português diante da ameaça castelhana no que à sucessão ao trono concernia. D. Sebastião nasce entre presságios e ânsias nacionais de independência; mas não só; diante de um país imerso na crise, ferido no seu orgulho pela perda de praças em África, incluso num novo contexto económico como no-lo adianta Francisco Sales Loureiro em D. Sebastião e Alcácer Quibir, ao príncipe afluíam todas as aspirações e esperanças lusitanas. Não é pois por mero acaso que António Quadros avança com a ideia de um Sebastianismo anterior ao próprio D. Sebastião, um movimento nacional reflectido não apenas no ânimo do povo mas similarmente no pensamento das elites:
«… o Bandarra teria morrido, segundo tudo o indica, no ano de 1545, isto é, nove anos antes do nascimento de D. Sebastião. Mas em algumas das suas trovas surge profetizada a vinda de um soberano, de um Encoberto, qual aquele que é sonhado depois de Alcácer Quibir, o regenerador messiânico de um Portugal não apenas restaurado na sua glória, mas cabeça desse império iluminado de cristandade, de verdade e de paz, que seria o Quinto Império (…) Eis porque D. Sebastião foi o Desejado. O povo, a aristocracia, a elite intelectual e uma boa parte do clero aspiravam ao reencontro político e cultural de Portugal consigo próprio. O jovem príncipe foi investido de toda uma carga de saudade, de esperança e de sonho.»
Em D. Sebastião já Camões antevira a
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Para do mundo a Deus dar parte grande.
antecipando o Sebastianismo e predizendo os caminhos por onde haviam de ser trilhadas as esperanças nacionais. Na génese do Sebastianismo está já presente a síntese de uma saudade que anela um futuro; uma privação, uma carência, uma fractura que evoca a esperança e a fé, depositadas, no caso, num Príncipe Salvador, em absoluto entendido como o Desejado. No indivíduo se projecta o colectivo, num homem se preanunciam os desejos do Povo Português. Para Sampaio Bruno, o sebastianismo coincide com o filosofismo na medida em que o mito sebastianista não é D. Sebastião, nem sequer o Português, mas o Homem expressando a ânsia de ascender do erro para a verdade, o Homem purgando os males pelo desejo da Salvação colectiva.
Esta ascensão do erro para a verdade cumprir-se-á sempre no futuro, isto é, restituirá o princípio originário do Paraíso Perdido, da Infância do Homem e da Idade do Ouro que o português pressente, pela saudade, ter vivido e, de qualquer modo, ter igualmente perdido. «O Messias assume – num registo superior, evidentemente, o papel escatológico do Rei-Deus ou do Rei-representante da divindade na Terra, cuja missão fundamental era a de regenerar periodicamente toda a Natureza» . E porque o mito aporta sempre aos arquétipos, indispensável seria que a Vitória futura do Rei fosse preanunciada entre o sofrimento e a desgraça, rememorando o martírio de Cristo, coroa das esperanças portuguesas projectada num «illo tempore futuro e messiânico . Por isso D. Sebastião cai em Alcácer-Quibir, por isso D. Sebastião regressa numa manhã de nevoeiro. Regresso que se não cumpre nunca mas que não cessa de ser anunciado. A figura de D. Sebastião assoma como o enviado do povo português, como a sua “síntese individual” no dizer de Pascoais, que acrescenta: “há momentos em que um só Homem é um povo: Camões” . D. Sebastião reúne as aspirações antigas e sintetiza as esperanças futuras.
Mircea Eliade chama a atenção para o facto de o Messianismo abolir a História; isto é, assim que o Messias cumpre a Salvação, a História deixa de existir. O surgimento do Messias e o cumprimento das Profecias realizam as mais altas esperanças. No caso do Sebastianismo, a transmutação do mito sugere uma outra via que anula o paradoxo, particularmente através da teoria da Metempsicose sugerida por Fernando Pessoa e que consuma a ideia de incompletude do Mito, essencial, não para a sua perpetuidade mas para a sua própria essência enquanto movimento filosófico fundamentado no paradoxo entre a angústia e a esperança. Segundo o poeta de Orpheu, D. Sebastião ressurgiria na História assim que alguém evocasse em si a forma do espírito do Desejado. Por isso D. Sebastião poderia regressar indefinidamente e sob várias formas, pois assim que alguém concebesse algo que rememorasse a substância e matriz espiritual de D. Sebastião, o regresso do Encoberto estaria consumado. Assim, Fernando Pessoa sugere alguns nomes como possíveis regressos do Encoberto tais os do Marquês de Pombal, Sidónio Pais ou o próprio Fernando Pessoa. Estamos não só diante de uma regeneração periódica do tempo mas também sob a premência de uma incompletude indispensável ao traço ontológico do mito. Adianta Fernando Pessoa; «A alma é imortal e, se desaparece, torna a aparecer onde é evocada através da sua forma. Assim, morto D. Sebastião, o corpo, se conseguirmos evocar qualquer coisa em nós que se assemelha à forma do esforço de D. Sebastião, ipso facto o teremos evocado e a alma dela entrará para a forma que evocámos». A teoria da metempsicose encontra semelhanças com a Saudade no sentido da Reminiscência platónica, da evocação de uma forma espiritual, de uma rememoração impessoal e inobjectivável – tal o Sebastianismo invoca, pelo Passado e Futuro, o paraíso perdido, a reminiscência de uma infância ideal que há-de regressar simbolicamente pela coroa desse Quinto Império que é D. Sebastião.
Esta teoria reveste-se de uma importância sem par na nova abordagem do Sebastianismo, pois aproxima o mito a uma filosofia inobjectivável, cujo elemento real se não encontra mas se prefigura numa forma impalpável. Meditando nas seguintes palavras de Mircea Eliade: «Executados pelo homem, todo o ritual ou toda a acção dotada de sentido repetem um arquétipo mítico (…) A repetição implica a abolição do tempo profano e a projecção do homem num tempo mágico-religioso que nada tem que ver com a duração propriamente dita, mas constitui este “eterno presente” do tempo mítico» pode concluir-se da indeterminação do objecto do mito Sebastianista. Esta indeterminação respeita, em última análise, a mesma ausência de objecto que Ramon Piñero anteviu na Saudade, caracterizando-a como um puro sentir desligado do pensamento e da vontade. Não há estranhamento neste remate se concluirmos uma conformidade da vivência Sebástica – confluindo em si a Saudade e a questão temporal - com o existencialismo, mormente na importância da angústia. O pensador galego Celestino de la Vega entendeu que «la saudade es un sentimiento sin objecto, lo mismo que la angustia es un estado de anima sin objecto» . A angústia não cede a coisificação. O Ser, experenciando a finitude, é ser de insatisfação. Em Kierkegaard, a angústia como faculdade humana de captação de sentido, aponta para uma transcendência que não está, contudo, totalmente fora do Homem. Se o momento histórico da morte do Rei aponta uma efectivação material traumática, todo o movimento em torno do seu regresso traduz a complexidade do mito, o paradoxo entre a angústia e a esperança. De alguma forma, a Saudade participa deste mesmo paradoxo, reportando-se às antinomias nacionais, não apenas a uma indeterminação mas também a um apego à vida e à natureza envolvente, a uma «expectação do futuro, com angústia e esperança» .
O momento do paradoxo não é, contudo, claro. Se a abolição do tempo profano sugere a supressão do facto, o paradoxo é inseparável de todos os momentos do tempo mítico. Quer isto dizer que a indeterminação/determinação do mito sugere uma ultrapassagem do vivido que espirala entre a lembrança e a esperança, entre a acção e a sublimação da existência. Se o mito apela à incompletude, o seu ponto de partida sugere sempre um exemplo. O momento histórico é o arquétipo, o modelo das esperanças futuras. Pela Metempsicose regressa periodicamente a forma do Desejado, um regresso que se dá na sua «realidade e presença concreta, posto que não fisicamente pessoal» , um regresso que fecha um ciclo para logo abrir outro.
O que é evocado é o exemplo, o momento a que se aspira é o da Infância do Homem, a Idade do Ouro e a antiga coexistência do humano com o divino. A reminiscência dessa infância, encontramo-la na Saudade, sentimento-síntese, no dizer de Teixeira de Pascoais, que ecoa nas quadras populares:
De Qualquer forma que existas
És a mesma Divindade;
Ventura quando te vejo,
Se não te vejo, Saudade.
e na poesia de Camões:
… a Saudade
Daquela santa cidade
Donde estalma descendeu
Para Pascoais, a Saudade «é já a sombra do Encoberto amanhecida, dissipando o nevoeiro da legendária manhã» . Significa isto que a Saudade não se mantém expectante mas deriva do Idealismo do povo português e da sua liberdade relativamente à Matéria, animada pela Lembrança e pela Esperança. O que importa reter na Saudade não é o seu exclusivismo no temperamento português. Aliás, Carolina Michäelis rejeita a ideia de que outros povos não conheçam esse sentimento. O que é relevante é a sua ascendência na psicologia portuguesa, levando-a a distinguir-se, indubitavelmente, de outros modos de pensar. Desta particularidade resulta a originalidade da literatura portuguesa.
O Sebastianismo, anulando o Tempo e a História no sentido profano, é igualmente interrogação sobre a memória, pois apontando o significado profundo da Saudade, reverte a recordação e o vão desejo em afirmação ontológica do destino do Homem. Inscrevendo o Passado, o acontecimento traumático reverbera no sonho do porvir. Pelo regresso D. Sebastião se afirma como figura simbólica do Quinto Império, rememorando a Idade do Ouro e cumprindo a paixão donde «Vêm-me saudades de ter sido Deus» . Entretanto, há um «…movimento contínuo, já que se não sabe quando começa ou quando acaba. Todos os pontos são começo e fim – o que transcendentaliza cada momento existencial» .
A Saudade é ditada pela sub estrutura psicológica do português, afeito ao sentimento saudoso mas também voltado para a acção e para o movimento prospectivo, encontrando no passado não um momento de paralisação mas uma força para tomar impulso. Não se trata de uma criação nascida da imaginação de predestinados mas da alma de um povo, fazendo menção da sua poética e transcendência. A aspiração ao futuro, não nascendo de geração espontânea, alicerça-se no passado. O Sebastianismo é a Saudade neste sentido, pois se aparece como «prenhe de tempo e de futuro, é justamente porque nele surge uma daquelas imagens que, profundamente ligadas ao que já foi, aparece como suscitadora de crença e de fé na possibilidade de realizar-se o mais alto e o mais difícil a que o homem aspira» . Daqui resulta necessariamente que «…a saudade é uma tradição, mas uma tradição sem fórmulas que a fixem e transmitam, uma tradição sempre difícil de surpreender e de reconstituir» . Não espanta pois que o espírito português deambule entre os momentos de tensão e fractura e os de uma euforia e anseio de acção verdadeiramente ímpares tais os que edificaram a epopeia dos Descobrimentos. Em última análise, o indeterminado sugere a figura paradigmática do funâmbulo de Nietzsche ou mormente da Serpente, tão marcante na cultura simbólica portuguesa, indicando um movimento em espiral. A Serpente «apresenta-se como símbolo do conhecimento global – a serpente enrolada, a boca tocando o rabo denomina simbolicamente o universo do saber, a unidade do ser» . Não há, no Sebastianismo como na Serpente, movimento parcial, pois «Ela (a serpente) liga os contrários verdadeiros, porque ao passo que os caminhos do mundo são, ou da direita ou da esquerda, ou do meio, ela segue um caminho que passa por todos e não é nenhum.»



Leonel Ferreira

Poesia

curvo

O nosso amar, amor,
tem do lúcido das estrelas o estertor
e do marulhar límpido um rio chão


Ruy


ode-te (extracto)

também eu já fui bruto, estúpido, indecente
mudei de direcção, tantas vezes sem água vai,
sem mínima indicação, sem um sinal.
também eu pensei já em prosseguir.
entreti-me no insistir. sentei-me a muro e caí.


também eu nunca foi assim. também tu, sempre mais.


Ruy


Deu-se um sucessivo excesso e
deus num degrau senta-se cingido,
e espera-me das mãos dos bolsos
porque sei que é impossível,
- convexo assobio
sem me acreditar
potável


Ruy


copio as mãos dos mortos.
sei que um morto é algo obtuso, não me pejo em o afirmar.
mas sem dúvida que os perturbo, aos bichos no seu larvar.
tenho as minhas dúvidas, mas lavo as mãos ao me deitar.


Ruy

Citação

“A felicidade, como o ouro, precisa de ser extraída do minério do trabalho quotidiano.”

Merle Shain (1935-1989)