sexta-feira, março 09, 2007

Prosa

Revés

Amanhã adormeci e levantei-me. Despi o pijama e fui para o quarto, após o que puxei o autoclismo, sorri de satisfação e reavi os meus detritos liquefeitos. Fechei a torneira do lavatório e devolvi toda a pasta de dentes ao tubo, imediatamente antes de ter fechado a tampa o tempo suficiente para a espuma se começar a deformar na minha boca. Foi então que acabei de jantar, o que não demorou muito tempo, pois nem quinze minutos antes já tinha começado. É claro que fui logo a correr tirar a lasanha do microondas, porque pouco tempo antes tive de a meter lá dentro para cozer. Ah, e pensar que mal tive tempo para tirar o casaco, fechar a porta e chegar a casa... é que lá no trabalho as coisas estavam a acabar tão bem antes de ter voltado para cima, para o escritório, e ter-me despedido de toda a gente... depois, o costume: inspirei de novo todo o fumo dos meus mais de vinte cigarros do dia e vi como cada um deles se refazia na minha boca, lentamente, à medida que o fumo etéreo se materializava e condensava para se agarrar e reconstruir o cilindro branco incandescente, até começar – sim, eu bem sei, cada vez que chego ao princípio de mais um cigarro estou um bocadinho mais saudável... fazer o quê? Por este andar, há dez anos atrás comecei a fumar. Mas aonde irei eu? Ah, pois, o escritório... aí por volta das 16h37 – lembro-me tão bem a que horas isto vai acontecer – chateei-me com o gerente da loja. E não é que antes disso o tipo vai e faz asneira? É verdade, nem dava para ele deixar de a fazer, já que eu estava chateado e estava... bom, mas do mal menos, uma vez que imediatamente antes ele não percebeu o que lhe tinha pedido porque se enganou a fazê-lo, pelo que eu lhe pedi para ele fazer uma coisa lá na loja. Enfim, vá a gente esperar que elas apareçam feitas e antes disso querer as coisas bem feitas... não foi sem algum alívio que me senti frustrado e dei por terminado o almoço, o que até nem foi mau, pois haviam de ver a vontade com que eu devolvi todo aquele frango semi-cru para o prato, bem lentamente. Dei graças aos Céus quando comecei, é claro. Já devem estar a adivinhar como foi a manhã... uma pasmaceira do fim até ao princípio, que nem sequer me livrou chegar quase cinco minutos atrasado, pelo que tive de sair do carro a correr para ir para casa pela via-rápida que, como é mais que óbvio, estava congestionadíssima. Mas lá consegui sair de casa, desfazer todas aquelas coisas que os comuns dos mortais desfazem antes de começar o dia e lá acordei, meio sobressaltado, antes de voltar para o sono profundo no qual havia caído inapelavelmente logo à noite. Bom, agora espero sinceramente que o dia de ontem me tenha corrido melhor. A ver fui...

João Tavares