sexta-feira, março 09, 2007

Poesia

Ah, um soneto, passo e lembro
e devagar. um soneto nesta montra
em que passamos e nos queimamos
mesmo do jogo a esconder as cartas
numa batota à emoção.

]Ai, o dia não deu em nada
o dia não deu em ninguém
e passo por este dia errado
como um passo morto nascido além[

e graças a deus que as memórias
como conterrâneas da carne,
de umas e outras apodrecem no bucho.
graças a deus que não há deus
- um copo de água por favor-
que de suas cãs comande
o coreto do lembrar.

e meu deus, a barriga, meu deus
é um dia que passa,
- uma nata quente, um enjoo-
e só não passa esta que não sei
[tristeza não será...]
com um gosto de cinza e sobras
esse fim tão claro de um cigarro
em mais um dia a desfilar.

e um dia acaba-se,
e um dia só se morre,
e um dia não dá em mais nada,
nem se levante o tapete da alma
em busca duma chave por recriar.

E eu, para que quero eu isso?
eu mesmo ter que me levantar,
e viver só amanhã
e depois sempre e depois
e um café curto p’ra despertar.

Não sei, não sei de nada,
Talvez só não me lembre,
E depois? E então?
Recusei o jornal com enfado,
puxei dos bolsos trocos do coração.

]levo nos meus passos a ideia vaga de um querer
chuva e de um soneto e do mar
a que limpo os pés sem chão.[

Et tu, a quem a memória é curta,
mas a vergonha não,
não te ocorra olvidar-se-te o talão.


Ruy





lembro-me de por vezes da imortalidade
e de deus em pequenino,
e de como de unguento um feixe
de nervo fluindo-se marcheta-me indestino.

e queria que este instante para sempre acabasse
da minha vida em cada momento

e queria que este de sempre ficasse
de mim constante onde acabar movimento


Ruy




noto que me engano. será normal.
porventura algo que o não seja
será isso também natural. que ponto
sem nós nos quilómetros, o meu porto é uma onda
- espuma antecipando-se invisível -
ao furor da excitação.
luz e não há sol.


Implausível fortaleza
- sinto-me eu mas não parte de mim,
não estou.
talvez fechado demais tempo
o meu cérebro exercita-se,
excita-se - impensável solidão de espuma,
o tempo foi parado [ferido em ser eu]


o que se há-de fazer?
e é assim que sigo, confuso, fluindo,
na aparente interestelar solidão do asfalto,
sísifo embalado na condição de objecto,
abjecta vastidão do circular. – Talvez

seja este o meu início
(e que é que há que se possa?)
já nem sei se ouço ou digo
ou consigo dizer o que sei ouvir,
talvez eu, num eu final. ponto.
É o abrir do pano mas a peça foi lembrada.


ponto afinal venho-me impoluto impensável
da orgânica do impossível.
Levanto-me pela gola,, pronto, talvez agora um cigarro,
- apesar de nunca nem um sequer -
agora que se foi o interesse no fatal,
no desfecho inconclusivo e vulgar.

e podia tudo começar agora
sem que houvesse esta importência
- e sem espuma uma vénus inclemente
começasse do início,
e inicio um começo
ponto


Ruy



O nosso amar, amor,
tem do lúcido das estrelas o estertor
e o marulhar límpido de um rio de chão


Ruy




Hoje não me apetece
não me apeteceu
sei lá,
porque sei que se
me apetecer
então já não há.

Hoje não, não, não.
Não me apetece, já o sei
porque o sei hoje,
e se me apetece
amanhã não há haver


Ruy




Requerimento prescrito de um coronel antigo à melhor amiga da neta querida


tu que és boa, bonita e boa
e eu que sou bêbado só e bêbado
e que já me tenho encontrado
na posição de dar pela falta de alguns dentes
(embora ainda de pêlo sedoso
e basculagem engrenada);

eu, que me parece que me sai uma
borboleta do peito se te vejo como aqui
sem tu reparares,
eu, que já vi muito mais do que verei
e eu que nunca vi nada assim,
quando tu, bonita e boa me pontapeias o coração,
ergo o pálio e segue a procissão;
por mim acima um cravo sem abril na solidão

que ele há-as muitas por aí
mas eu só te quero a ti,
uma companhia, um encosto só,
alguém a quem esfregar as costas,
alguém p’ra me sacudir o pó;
quando, de repente, se me esquece
a idade e a dor e te pergunto,
por entre os óculos e as barbas
e as rumas e demais trabalhos,
se não queres, por favor, ponderar em fazer amor.

Transmitido por Ruy