sexta-feira, março 09, 2007

Poesia

A Sentença


O homem em cima da duna
Olha em silêncio o mar
Aguarda uma resposta
Que sabe nunca chegar

O homem de rosto ao vento
Escuta o marulhar da maré
Vê as ondas a recuar
E a levarem-lhe a fé

O homem ali parado
Não tem lágrimas para chorar
Choram por ele as nuvens
Que se desfazem no ar

O homem ali quieto
Tem o rosto molhado
É do crivo impiedoso
Do chuvisco salgado

O homem de esperança desnudo
Sente os cabelos voar
Parece que não têm medo
Da tempestade a chegar

O homem que já foi menino
Costumava brincar na areia
Agora vê tudo cinzento
Duma tonalidade feia

O homem que já foi rapaz
Recorda uma velha canção
Dissera-lhe o Pai – Essa moça
Vai ser a tua perdição!

O homem que já foi marido
Costumava sorrir e gostar
Quando a esposa lhe dizia
Que sempre o iria amar

O homem que acordou ontem
Toda a vida o abandonou
Quando leu a carta breve
Da mulher que o deixou

O homem ali na praia
Ouvia muito o avô falar
Um dia o avô disse-lhe
- Ao morrermos vamos para o mar.

O homem que de despede
Mais que nunca acredita
Que o seu velho avô
Tinha ciência infinita

O homem que agora se afoga
Admite com perfeita indiferença
- Vamos para o mar ao morrermos...
E cumpre-se a sua sentença.


João Tavares





As palavras


As palavras são segredos

São sons mágicos que alguém se lembrou de inventar
São poder para quem as souber usar

São ilusões de sentidos nunca tidos
São vontades de acabados significados
São rumores de conspirações comunicadas
São queixas em mil doses replicadas
São dogmas do saber e da razão
São bálsamos para o enamorado coração

As palavras são tudo e mais alguma coisa

Elas são pronúncia e entoação
Elas são mentira e traição
Elas são ataque e investida
Elas são vergonha incontida
Elas são medo e terror
Elas são arrepios de calor

Mas afinal o que são as palavras?

As peças funcionais de um sistema
As partes constituintes do lexema
As somas deste e daquele fonema
As vitórias em cadeia do morfema

O cheiro que não cheira da alfazema

O registo em pormenor do impossível
O pôr-do-sol que nunca se viu
A neve contada aos nativos da Nigéria
A dor de parto que nenhum homem sentiu

As palavras são o fogo do Olimpo
E o tesouro perdido dos Templários
E a arma secreta dos Atlantes
E a estratégia preferida dos salafrários

As palavras são o doce sabor do mel
E o amor que se jura e se promete
E os nomes que se dão a quem se quer
E as desculpas quando se apanha um frete

Em resumo
As palavras são...

...não tenho palavras.


João Tavares