sexta-feira, março 09, 2007

Poesia

Na escuridão, os obstáculos não se vêem

1 – A Verdade está lá em cima, na prateleira, ao pé das bolachas

E afinal a Poesia não existe
A Poesia foi Satanás
Que se disfarçou de musa
E apareceu vestido de Havaiana
A Petrarca e a Camões

Mas o grande problema
De Satanás-poesia
Foi que ele se esqueceu
De rapar as pernas
Antes de aparecer a Oscar Wilde

Já Milton e Homero
Ficaram à espera da Luz
Que nunca chegou
Ou se chegou não a viram
Porque Satanás lhes apagou as velas
(Enganou-se – pensava que faziam anos
Mas não! Ficaram cegos…)

Pois é, a Poesia não existe
É o Rei das Diabruras que decide fazer mossa
E lá vem ele todo lampeiro
Convencer este ou aquele incauto
Que está a ter Inspiração
(Bons tempos em que o Santo Ofício
Sabia a Verdade – a Esquizofrenia é como os impostos:
É tudo psicológico!)

E no meio disto tudo onde ficam os Realistas?
A que pincel se agarram os Neo-classicistas?
Em que galho se pendura o Paradigma Aristotélico?
Não ficam. Escorregam. Cai podre.
É tudo treta – no contrato está bem claro
Que podem dizer o que quiserem:
Mas no fim todos sabem bem
Que é o Chifrudo quem redige os seus Delírios
(ou julgam que Platão estava a brincar
Quando disse que o Poeta-Aedo
Mais não é que uma arrastadeira espiritual?
Pois, pois, uma entidade divina…
Vocês são tão crentes…)





2 – Deslarga-me!

Deslarga-me do braço!
Não me prendas
Com as tuas asneiras!

Destroca-me dinheiro!
Não me obrigues a andar
Com moedas estrangeiras!

Destroce essa manobra!
Aprende a virar a regueifa
Com boas maneiras!

Desmata as saudades!
Elas são um perigo
Se forem verdadeiras!

Descome porcarias!
Doce é o fruto
Das deliciosas palmeiras!

Despaga o bilhete!
Não tens de ir
Recolher mangueiras!

Destira a mão!
Não te metas
Com meninas Tripeiras!

Desfunga o nariz!
Essas coisas
São tão foleiras!

Desmete o passe!
Tu queres é ir
Para o interior das Beiras!

Desvai-te embora!
Não peças informações
Às simpáticas rameiras!

Destem juízo!
Não é na cabeça
Que se metem as perneiras!

Desacaba com isto!
Alista-te duma vez
E foge das fileiras!



3 – Neo-Velharias Último Modelo no Passado Recente da Antiguidade Moderna

No outro dia, aí por volta das mais ou menos, quando olhei para o mostrador do relógio avariado que tinha ficado em cima do frigorífico na casa-de-banho do terceiro andar térreo, passou por mim o Retro-modernismo. Então eu perguntei, “Eh, ó Retro-modernismo, que tal vai isso, pá? Tudo bem?”, mas o desgraçado só me respondeu “Mete-te mas é na tua vida, ó palhaço!”. E eu assim fiz, tirei a minha vida do bolso e meti-te dentro dela. Foi então que uma luz me atingiu a cabeça, quando me levantei e acertei em cheio no candeeiro da rua. Mas lembrei-me que o Retro-modernismo me tinha dito também que eu era palhaço. Raios, pela primeira vez em mais de quarenta e sete segundos senti todo o sentido da vida esvair-se-me por entre os dedos da mão esquerda como se fosse farinha de trigo acabada de levedar com vinagre para fazer uma sobremesa chilena daquelas que os aventureiros de extrema-esquerda – ou extremo-centro, que isto dá para tudo – gostam tanto de deglutir imaginativamente, em especial quando estão há mais de trinta dias perdidos no cimo dum monte coberto de neve nos Andes (ou talvez não seja nos Andes e sim nos Pares, que senão eles saíam dali) e já estão fartos de bracinho rechonchudinho de co-piloto fricassé mas tipo sushi, que é para não perturbar as aves migratórias com os confusos focos de fogo aqui e ali. Ah, senti uma angústia tão perene, tão daquelas que parece que foram lá parar e tinham fita adesiva das fortes! Ah, como era possível que eu não tivesse ali à mão nenhum narizinho vermelho de borracha, nem uma peruca encaracolada com metro e meio de diâmetro, nem um lápis de cor para sarapintar a minha face palhacescamente? Porquê? Que mal não fiz eu às térmitas que me devoraram o serrim das bolachas? Porque me chama o Retro-modernismo de palhaço sabendo que eu não tenho qualquer tipo de adereço que me permita sê-lo? Andar na rua é tão injusto… E foi por isso que resolvi ir para casa e escrever uma carta ao Retro-modernismo. Mas acho que ele não a vai ler, até porque ele não existe.


João Tavares