domingo, janeiro 07, 2007

Coluna de Opinião

Por entre aspas: “Qual é a cor do medo?”
— Sebastianismo e Quinto Império


“Qual é a cor do medo?”
Esta foi a pergunta que D. Sebastião ousou colocar um certo dia a seu tio, D. Filipe II de Espanha. O destemido e irreverente rei luso parecia indiciar desde muito novo um destino incomum. Mal sabia que o seu fado estaria irremediavelmente ligado a do seu povo. Tinha nascido como o “Desejado”, o prometido herdeiro da nacionalidade, que nos mantinha fora do alcance dos castelhanos. Cresceu imbuído por estórias gloriosas dos feitos dos portugueses, que mais pareciam ter como palco um mundo não terreno.
Quando falamos de D. Sebastião, recordamo-nos do jovem rei que desapareceu tragicamente na Batalha de Alcácer Quibir, a quatro de Agosto do ano de 1578, ao lado de outros dois reis mouros — Mulei Moluco e Mulei Mohâmede — e da mais fina e iluminada aristocracia portuguesa. Lembramo-nos, igualmente, do mito de D. Sebastião, “O Encoberto”, que regressaria, numa manhã de nevoeiro, para libertar Portugal do jugo dos espanhóis e liderar de novo o povo rumo a um destino superior. Todavia, nunca regressou, pelo menos, assim o reza a matriz da História. O povo ficou órfão e entregue aos estrangeiros. Acalentou a esperança de um dia ele chegar. Em vão esperou e desesperou. O passado tinha sido glorioso; a saudade era enorme. Nunca mais seriamos grandes. O tempo não perdoa e as ruínas de pó surgiram naturalmente. Eram agora as reminiscências do grande império, que D. Sebastião, se o acaso não tivesse reinado, teria engrandecido.
O que teria sucedido se D. Sebastião tivesse ganho em Alcácer Quibir? Seria certo que teria como plano conquistar todo o Norte de África e, seguidamente, marchar sobre o Império Otomano? Com certeza teria o apoio dos grandes reinos da Europa e, sobretudo da Igreja Católica, que via com bom agrado o ressurgimento em todo o seu esplendor do antigo Império Romano do Oriente.
Uma vez ter conquistado a actual Turquia, surge a pergunta: qual o seguinte passo a tomar? Novamente, muito se especula sobre o assunto. Talvez a incerteza se resolva através de uma outra questão. Por que motivo não se teria ainda casado D. Sebastião? Investigadores e historiadores defendem a tese que o nosso malogrado rei ambicionava tornar-se um dia Supremo Pontífice da Igreja Católica, daí a sua postura perante o casamento.
Neste momento, é legítimo perguntarmo-nos: pretenderia D. Sebastião ser rei e pontífice de toda a cristandade? Seria este o seu plano do Quinto Império — como proclama Fernando Pessoa —, um império baseado na fé em Deus e arreigado na(s) cultura(s) da velha Europa, tendo como centro nevrálgico Portugal?
D. Sebastião, deu origem à lenda de um projecto que ele presumivelmente aspirava e de uma tese que é conhecida como Sebastianismo. Os detractores da mesma tese apelidam os apoiantes daquela de “saudosistas e de Velhos do Restelo”. Porém, enquanto Sebastianista não me revejo nestas considerações. Tenho muita admiração, respeito e afecto pelo passado de Portugal, mas tal como D. Sebastião sou ambicioso. Sou Sebastianista porque também acredito num Portugal farol, arauto de toda a humanidade. Desde que momento a ambição se tornou nostalgia? O rei menino era um sonhador, um visionário e um conquistador. O jovem rei lutou para que os seus sonhos vissem a luz do dia. Tinha projectos para Portugal e um ideal para cumprir. Se não logrou cumprir a sua missão, quer fosse por ingenuidade ou, irreverência da sua juventude, por maus conselhos dos seus oficiais, quer fosse por insanidade, não me parece que isso seja muito relevante. Ninguém ousaria fazer uma guerra, sem ter um plano de vitória. Havia muitos que acreditavam ser possível. E tudo indica que D. Sebastião tivesse esse plano. Parece-me que os sonhos - projectos só se podem almejar num patamar futuro do presente e nunca no passado, por isso mesmo creio que o Sebastianismo tem toda a razão de permanecer ainda nos nossos dias. Fernando Pessoa foi dos primeiros a descobrir as verdadeiras raízes do Sebastianismo e pôde no seu tempo inferir que o sonho de um Portugal maior não era coisa do passado mas sim do futuro. Cabe-nos a nós, procurar o sentido do plano d'El-Rei D. Sebastião e esperar que “Deus queira, o homem sonhe e a obra nasça”.

Filipe Monval



Sós Auspício

I

A demanda do espírito
Me fez sobressaltar durante o meu sono
Em outras memórias virgens e silenciosas
De terras aspergidas
Em preludiais promessas inauditas
E me impeliu a caminhar sob o signo da espada
Despregando, sem medo,
Minha Lusíada Alma
No fátuo sonho de Deus.


II

Por quem moves tuas mãos, tão acinte, para escrever, poeta?
Non, esquece tudo que vai.
Nada de grandioso resta, por lutarmos
Nada mais há para escrever
Do que já foi entoado na canção das cinzas.
Quis ser o iluminado,
Tornei-me o encoberto.
Lembro-me como banhámos com sangue
A alvorada do destino.
A conquista ardendo
Nas Quinas suspensas d’um coração alado.
Por três rios, três reis cruzámos,
Para fazer da glória nosso altar.
Já nada vale a pena. Esquece.
Meu Deus, talvez, em vão partimos
Para alcançar o horizonte da criação.
Oh senhor, quantas almas ancoraste,
Quantos pelo fogo demente pereceram
Para salvar da quimera o sonhador?


III

Nada esperes do destino,
Vã cobiça humana.
Atearei de fogo os espectros
Vogando nos corredores escuros:
Abnad, meu tio, meus patrícios
Que infligiram maior dor no peito meu.
Em arauto da cristandade me diziam galardoar
Em “O Encoberto” me converteram
Antes me tivessem esquecido ou mesmo matado.


IV

Vislumbro agora,
Por entre um quasi-assombrado desterro
Como se precipita o mundo para o seu julgamento.
Ó Moribunda Europa,
Num abismo colossal
Vos haveis tornado
E meu Lusíada peito
No teu leito jaz.


V

Ergue-se perplexo
O Destino
E eu amargo e severo
Prossigo em sonho o Quinto Império.
Sou o Quinto Império,
O rosto de Ontem
Encoberto pela sombra da própria pátria,
Memória de uma raça errante
Absolvida pelos compassos do tempo
Que noutras margens subliminais repousarás
E que a Morte não pode inaugurar jamais.


VI

Ó Sonho de Deus
Que quis que eu fosse teu arquétipo – mor.
Sou o último,
Serei o primeiro?
Rei e Pontífice do Novo Mundo
Que a Cristandade ousou esquecer,
Apesar das lágrimas que percorreram suas faces,
Lá longe numa terra árida de afecto.
Ó sonho por sonhar
Que me encarceraste na contemplação
Irrealizável de toda a criação
Deixa-me imaginar as reminiscências do porvir.
O meu sonho apenas termina
No despertar da visão de outrem.


VII

Ainda, latente o sonho por minhas veias corre.
Vede o trono de São Jorge vazio.
Depressa, pega numa espada e segue-me
Ou, segura na tua pena o ideal que vos transmito,
Ó vassalos — poetas da minha herança
Levantai a voz para que almeje os quatro cantos do mundo,
Segui o rumo dos astros,
O contorno descrito pelas marés.
Ó Admiráveis Antepassados,
Nobre povo Lusíada
Erguei-vos da vossa tumba
Estai presentes para quando Portugal se faça.
Ai Portugal Português
A quanto aspiras sem o saberes,
Recorda que do sonho
Nasce a criação de Deus.


Filipe Monval