domingo, janeiro 07, 2007

Poesia

Sem a cor dos dias

Debruço-me sobre a longitude deste mar infinito
Desvio o olhar sobre o embalo do esquecimento
Retendo a imagem daquele menino
Lançando-se, distraído, num arremesso contínuo.
Por mim — entre mim
Nada existe que eu já não conheça
Ou, pelo menos sobre a qual
Eu já não me tenha cruzado anteriormente.

Às vezes penso que nada vale o sacrifício,
Que a ordem das coisas,
Que o desígnio de Deus
São imutáveis
E a minha pena já mais nada pode colorir
Senão a máscara da minha ausência.

Possivelmente, sou, apenas, uma projecção de mim mesmo,
Um grito a esvair-se no atrito do palco
Um pedaço do mundo
— da minha máscara rasgada
Desvendando o rosto desfigurado
No vórtice da incerteza.

É tudo que eu tenho
As lembranças adiadas,
Sonhos interrompidos,
Olhares clandestinos sobre os contornos da existência.
Sou tudo que possuo
E que algum dia repousará no silêncio do palco.

Mas, quem me dera poder achar o caminho
Sem deixar de tropeçar mais — em mim.


Reis Neutel



O Último Delírio Rosa

Entre nós e a sombra muda a vertigem do rosto,
O olhar sobre as coisas,
O derrapar das mãos sobre o papel de ausência,
Um quase segredo por descobrir nas sílabas átonas do amor.
Todas as palavras nuas a transbordarem no limiar da página
À espera de sermos nós mesmos
Na estância de cada verso anónimo
Que ficou por escrever
A poesia é essência da alma
Arte da palavra
Prolongar o silêncio antecedendo
A margem do destino.
Acordas retendo o perfume dos suspiros
Escondes a lâmina com que comprimes
os dias de outros dias,
margens decalcadas da alma num sonho por sonhar
Os dias de sempre ao arrasto de uma oportunidade
Seremos os delatores do plano de Deus?
O amanhã matou-nos
Em elucubrações fatais
E os teus lábios lembram-me o acordar do mundo,
O ardor de quando trespassamos o real das coisas
Nos tornamos os amantes à beira-rio,
A essência lírica
Dos instantes distantes
Que se curvam na palma da alma
Perante a silhueta de um beijo.
Lembro-me daquele tempo
De equiláteros desejos
Da geometria dos lábios
Do perfume ao qual cedi
Para puro deleite dos sentidos
Sonhávamos despertos nos contornos de fronteiras ideais
Éramos vertigem espargindo as cinzas no espelho,
O espelho da nossa existência
Fluíamos trespassados no gume do tempo
A centímetros da presença ausência
De vozes erguendo-se no limiar da dor
Somos alquimistas do amor
Astros entoando
A luz do firmamento
Anjos peregrinos ao alcance das estrelas
inextinguíveis na brecha da memória.
Seja-nos pemitido a vida
Que a morte — essa — já não nos escapa.


Reis Neutel



The chamber of God

It’s easy to dream,
To reach the heart
Still sleepin’ tight
And keep us far off the ground.
Imagine...
If God should part
Quiet and witty
And I was only His prey
To play.


Reis Neutel