domingo, janeiro 07, 2007

Poesia

Lux non feras


Anjo maldito que te escondes na bruma do sono mal curado
Devora lágrimas aflitas de névoas turvas do passado
Acorda para dentro envolvido pela frieza do vazio
E parte, quieto e parado, na estrada deserta de ti e de tudo

Maldiz com palavras de cera a luz invisível de montes ocos
Onde resplandece entornada a alvura do esquecimento
Adivinha com todas as estrelas a eternidade do momento
Em que a vida é só o que nas profundas cavernas hiberna

Caído debaixo da roda do destino com um furo celeste
Te olhas cegamente ao espelho quebrado da inveja
Queres uma vontade que nunca conheceste em altura
Sendo que as ânforas milimétricas se sublimam em conteúdos só [de si

Segredo que te deitaram pela janela da floresta das nuvens sem [fundo
E não te deixaram saber o que nem sabes que há para saber
Anjo caído que acordas no mar do brilho profundo queimado
Desiste dos nadas que te pendem ao peito e te pesam como asas

Sic damno me, murmuras entre dentes de raiva e revoltas [cuspidas
Abdicas do paraíso que sabes em prol do negro desconhecido
Atiras para trás das costas do conforto a solidez da pluralidade [fugaz
E abraças em braços nus de esperança o calor falso da queda

Em pensamentos rachados de covardia derretida e duvidosa [certeza
Te lanças para sempre na órbita oblíqua do nada manchado de [torturas flamejantes
Pesadelo galopante a milhões de náuseas de abandono do lar [eterno por segundo
Estala-te na cabeça de seres senhor absoluto do pandemónio que [altivo reges

Serpenteante veneno que sibilas tentação à matriarca dos [monarcas deste mundo
Orgulho da repetição que fazes ecoar caidamente pelos cantos [jardinados
Promessas suspensas por fios de coração tingido de arbítrio [ofuscado
Ícone soturno de dores vomitadas por prazer em nove espirais [velado.


João Tavares




Constato

No quentinho da lareira de Morfeu
Durmo em cobertores de lã
Enquanto lá fora, no mundo acordado
O frio ou o calor,
Seja ele qual for,
Fazem do tempo
O que o Tempo quer.

Na alvorada da frescura orvalhada
Desperto em sorrisos de seda
Enquanto em volta, o mundo agitado
A pressa e os ditames do relógio,
Capatazes da Rotina,
Me dão a segurança de saber
Que tudo está bem
Porque está onde o deixei.

Seguro nas mãos devotas
O cajado da certeza
De cumprir com o destino
Que eu mesmo me vou fazendo
Dia após dia
Dia após dia
De acordo com as regras.

Espelho diante de mim
Porque me perguntas
O que não te sei responder?


João Tavares