segunda-feira, maio 07, 2007

Editorial

Maio Milagre

«Maio maduro Maio quem te pintou?» Assim cantava Zeca Afonso, desconhecendo ainda que Maio viria depois do mês dito da Revolução. E se algo pode ter que ver com algo, algo pode deixar de ter que ver com algo pela simples sugestão ou evocativa analogia – os intentos segundos e terceiros sempre inquinam os seus desígnios. É complexo porque é complicado e o complicado nunca suplicou o complexo; não é rogo de indigente.
Assim, Maio surge porque não tinha que surgir. Assoma, como se uma Aparição refundisse a vida de todos nós. E isto não depende de créditos alheios nem de conformidades materiais e materialistas. É-o porque não sabemos. Desponta; é o Milagre.
E que somos nós em meio de Maio? Talvez Peregrinos caminhando sob o sussurro zombeteiro. Mas tudo isto não é de zombar; quando muito, lastima-se o que se não contempla em beleza.
Maio é mês de mentiras. Não o Abril primeiro mas o Maio último. E Maio não é diverso, pois a mês nenhum se concedeu a graça da pureza e a expurgação dos pecados. Maio é mentira como a vida. E mentirosos somos todos; e eu sou tão mentiroso quanto quem não ousa proclamar esta verdade. Neste sentido, a vida ensina a arte e o seu ensinamento passa inobservado. Não é inobservável porque se consente o fingimento que se aporta a algum lado. No meio disto tudo haverá espaço para a verdade? A resposta é lacónica: há tantas verdades quantos átomos. Há toda a verdade e verdade nenhuma. Por isso proferimos verdades sem nos benzermos, pois se acaso possuísse o Homem a fórmula redentora da humanidade, creio que não proferiria uma única frase da sua doutrina sem lavar o corpo e sem pedir absoluto silêncio e deferência. Mas não se dá o caso, porquanto as vozes da Salvação sempre se ouvem entre o estertor da admiração e/ou o fragor da indignação, e o doutrinário é escravo do amor e do ódio.
Tempo houve em que, um pouco por todo o país, se colocavam as «maias» defronte das casas, nos estábulos, nos carros de lavoura e nos animais, pois, de contrário, a crença popular asseverava que o mês de Maio revolvia em maré de azar. No Minho, em Esposende, as «as maias» eram feitas com giestas, malmequeres e rosas para que o Diabo não entrasse nas casas e para espantar os maus-olhados; em Santa Marta de Portuzelo, a reputação de Maio era a de um tolo, por trazer muito Sol e chuvas abundantes; em Ponte da Barca e Arcos de Valdevez as «maias» afastavam a fome, e em Barcelos afugentavam as bruxas. Maio é, por conseguinte, mês de doença e de males, personificação do demónio – Maio «carrapato», Maio «burro».
Mas Maio não mete mais dó do que Abril. Em Maio se desbravam as giestas, em Maio se acena à Senhora de Fátima com lenços brancos – última recordação das despedidas idas das outras idas caravelas. Maio é mentira como a vida e a vida é mentirosa como a arte e a arte empenha-se a mentir mais do que a vida; trabalho hercúleo e não ao dispor de qualquer trapaceiro. Maio é dos músicos, e à música volve toda a farsa e toda a lenda mais real do que o Real mentiroso menos mentiroso do que a música. E em meio disto tudo, que é tão pouco, ofende o entendimento que o primeiro de Abril seja o dia das mentiras, e o primeiro de Maio o do trabalhador.

Editor maio: Leonel Ferreira