segunda-feira, maio 07, 2007

Prosa

Anita

(dedico este excerto a todas as "namoradas" que - inexplicavelmente - desapareceram da minha vida )

Episódio 1º - A Fixação Extra-Forte

Anita, Anita, Oh… Anita! Serena como a primavera, linda como uma delicada flor perdida no manto da natureza. Meu coração palpita por ela, sonho com ela, penso nela a todo momento. Anita a correr pelos os montes, a nadar numa límpida cachoeira, Anita ensaiando a dança do ventre, Anita ensinando-me a surfar num mar gelado, cheio de tubarões. Enfim, sempre graciosa e prestável. Nunca me cansarei dela. Já cheguei a vestir-me como ela em frente ao espelho, o que só me deu mais vontade de ama-la. Ai, Anita… Bem, mas quem é Anita? Será que estou a exagerar na descrição que dela faço? Se perguntarmos a todos os seus colegas da empresa Silva e Carvalho Contabilidade, Gestão e Auditoria S. A., as respostas vão, indubitavelmente, ao encontro do que eu digo sobre ela.
— Ela é tão boa, resmunga o Patrício entre dentes. E finda a frase com uma ruidosa gargalhada, seguida de um inusitado ronco. Mas nem isso o embaraça.
— É muito feminina e queriducha, afirma o Alvarinho da secção três de auditoria.
O Gomes da recepção confessa-me ao ouvido:
— Catano, é boa como as perdizes...
Felizmente, nem todos têm uma visão tão prosaica. O Carneiro elege-a como a mulher mais bela dos escritórios e quem sabe da cidade.
— Tem aquele ar inocente e pueril, mas não é como todas as outras. Não senhor, é tão boa que nem parece de carne e osso, — segundo o Mário Gonçalves das sandes.
Ok, admito, é um interessante comentário.
Mas a Anita é muito mais que uma donzela de olhar frágil e doce, de lábios sensuais, de quadris arqueados e bem definidos, de cortar o fôlego a qualquer um ou mesmo a qualquer uma. Não acreditam? Então notem o que as colegas de Anita dizem dela.
— Ah, a Anita é muito bonita e elegante. Sei lá? É muito sexy, como dizem hoje. Já me chegava metade da sua sensualidade e da sua inteligência.
Espera lá, mas quem é que disse tal barbaridade? Ah, claro a Guilhermina da Contabilidade, a solteirona do piso dois. Por favor, senhora, modere a sua estupidez. Atenção agora, vejam o que a Dra. Margarida diz.
— Ah, ela é um vulcão em actividade.
Lindo, não acham?
Mas afinal de contas, quem é para ti a Anita?

* * *

— Ufa. Que chatice nunca mais são horas de sair e não mais pára de chover, — pensava Ricardo.
— Dr. Martins tem uma chamada.
Ricardo virou a cabeça e acenou com a cabeça. Quem seria?
Ricardo Martins, era o adjunto do director comercial da Silva e Carvalho Contabilidade, Gestão e Auditoria S. A.. O trabalhador modelo, o filho que todas as mães gostariam de ter tido. Todavia, frustrado e solteiro era como ele preferia auto-apelidar-se.
— Só espero que não seja a chata da minha mãe. Filho não te esqueças disto, filho já fizeste aquilo, que seca. Filho agasalha-te, és o filho da...
Enquanto Ricardo se dirige para o telefone atravessando um comprido corredor, vai fazendo caretas e falando alto para com os seus botões. Porém, não desconfia que está a ser observado por vários colegas, que o olham com estupefacção e gozo. Finalmente, pega no telefone. Do outro lado, uma voz em êxtase guincha desenfreadamente:
— Ricardo?! Ricardo, és tu? Até que enfim, pá. Estou a ver que a Feijoada à Brasileira ainda está a resultar.
— Cala-te! Poupa-me, Miguel. Quantas vezes já te disse para não me telefonares para a empresa? Vá diz-me lá o que foi agora?
— Hmm, estamos mal humorados hoje...
— Sim, — respondeu secamente.
— Vá, deixa-te disso, amigo. Olha só uma coisa...
— Sim estou a olhar, cretino, e não vejo muita coisa, — a sua voz denotava agitação e perturbação, — O que foi desta vez? Espera estragaste-me o fato, não foi? — Falava agora muito alto. — Admite palerma... não palerma sou eu por to ter emprestado, que grande burro que eu sou. — Nesse mesmo instante leva a mão esquerda com força à testa, esfregando-a com violência até ficar vermelha. — Razão tinha a Fátima e o Jaime. Mas não... ainda tenho bom coração e vou ouvindo o que tu... — Repentinamente, a sua expressão muda. Desesperado coça a cabeça, repetidamente.
— Tu o quê?
— Vamos eu, tu e as gémeas, aquelas morenas altas e... Calma amigo, eu desconto-te os elogios pelo empréstimo do fato. Não... não te exaltes, espera. Desligou. Mas o que é que eu disse de mal?
Após ter desligado o telefone, Ricardo observou como alguns colegas o fitavam. Envergonhado, mordeu os lábios e disse em alta voz, dirigindo-se para os colegas:
— Queriam impingir-me um ... uma viagem às Bahamas. Estes gajos dos inquéritos. Que chatos.
E voltou para o trabalho.

* * *

Passados dois dias Ricardo é surpreendido no seu gabinete pela visita do amigo de infância, o Miguel.
— Ei, posso entrar?
— Sim, podes. Entra, — respondeu secamente o outro, enquanto organizava uma pilha de documentos.
— Já não estás chateado comigo, certo?
— Não, já passou. Mas o que queres? — respondeu-lhe sem sequer olhar para ele.
— Venho propor-te um almoço, que dizes?
— Um almoço! Ganhaste a lotaria? Espera, não me digas... estragaste-me o fato. Confessa.
— Não, era como moeda de troca. E já decidiste sobre a tal saída com as gémeas? Estás carente, meu. Eu consigo topar isso. Vá lá, vai ser curtido.
— Ok, escolhe lá a data. É-me indiferente. Só te peço que escolhas bem o sítio. Nada de bares gays desta vez, está bem?
— Tudo bem. Mas até que um bar daqueles seria o local perfeito para expor as gémeas, não concordas, pá?
Ricardo observa-o com estupefacção e responde friamente com um rotundo não.
— Vá mas pega nas tuas coisas, está na tua hora de fazeres stop.
— Sim, tens razão, — responde olhando para o relógio.
Ricardo arrumou uma vez mais o montão de papéis da sua secretária. De seguida, pegou na sua gabardina e no guarda-chuva, com prontidão e dirigiu-se com o amigo para a saída do piso, Miguel deu uma olhadela à sua volta e deu de caras com uma rapariga de longos cabelos loiros e olhos verdes. É encantadora, pensou Miguel. Tenho que saber quem é? Fazendo-se de surpreendido, perguntou ao amigo:
— Uau quem é a boazona?
— Ah?
— Quem é ela?
Ricardo vira-se para ver de quem se trata.
— Sê mais discreto. Lembra-te que eu trabalho aqui. Não te molestes em ir atrás dela, ok? Ok?
— Porquê? Ela não é diferente das outras. Tem tudo que as outras têm, ou não? Por acaso olhando com mais atenção até tem muito mais. Ena pá. Apresenta-ma, vá lá. Sou eu o Miguel, o teu amigo de infância. Vá lá.
— Nem, penses. Ela é diferente das outras.
— Força, meu. Sou eu que to peço.
— Claro. Vais usar o teu charme de macho latino. Ela não passa cartão a ninguém. Anda embora.
— Please, please.
— Não, esquece. Ela é mesmo diferente.
— Pois é, por isso mesmo. Ouve para a semana é o teu aniversário. Podíamos sei lá...
— Sei lá? Esquece, meu. Ela é especial, compreendes?
Fixando o olhar hipnótico do amigo, percebeu que ele de facto não percebia o que lhe tentava dizer, qualquer esforço era vão e como quem conforta um menino que acabou de deixar cair ao mar um chupa-chupa ou o brinquedo favorito disse-lhe:
— Ela é... ela é, — sussurrando aos ouvidos do outro — bem dizem que é bi.
— Bi! Bissexual! — ripostou o outro muito alto, o que fez com que todas as pessoas que por ali passavam os observassem com espanto. Mas pior do que a vergonha, era admirar o olhar alucinado com que Miguel tinha ficado, pensara Ricardo. Nesse momento arrependeu-se do que tinha dito, pois teve o efeito contrário ao esperado. Miguel agarrou violentamente os seus braços, como se fosse um louco que tinha medo de ser internado num manicómio. Então, gritando bem alto, disse:
— O que... ela é?... Não acredito. Como se chama? O que faz? Diz-me qualquer coisa, pá. O nome, já, — agarrando-o ainda com mais força, — despacha-te. O nome, eu quero o nooooooooooooome.
Ups, só havia uma maneira de sair dessa encrenca. E Ricardo conhecia-a bem. Devolver o chupa-chupa ao menino. Respirando fundo, disse timidamente:
— Chama-se Anita. É a secretária do Dr. Vilar. E é só um boato, rapaz. Talvez não seja bi. Tem calma.
— Caraças olha-me bem para ela.
Suspiram os dois encantados com a imagem da rapariga.
Ricardo, com alívio tinha recuperado os braços.
— Oh, ela é perfeita.
— Se é, Miguel. Que anjo na terra.
— Como?
— Esquece, vamos lá comer. Conseguiste envergonhar-me. Bem vamos lá almoçar? Chama o elevador, tenho que ir à casa de banho.
— A que horas sai?
— Saio às 18 horas.
— Tu não, palhaço. Ela, a ... como é que se chama?
— Anita. Não sei. Vamos lá, palerma, — observando o relógio — se não te despachas já não tenho tempo para almoçar. Vou rapidamente à casa de banho.
Dois minutos depois, Ricardo retorna e observa como o seu colega se aproxima da sensual secretária do Dr Vilar. Também ela à espera do elevador.
— Oh, por favor. Era só o que me faltava, — pensou.
— Então trabalha aqui? — perguntou Miguel à rapariga, colocando um tom mais viril à sua voz.
A rapariga sorriu embaraçada.
— Sim, — foi a resposta breve que obteve.
— Chamo-me Miguel, muito prazer, — estendeu-lhe a mão.
Ela hesitou um pouco. Felizmente, para ela é salva pela chegada do elevador.
— Vamos lá, — sorri nervosamente à secretária.
Entram os três. A rapariga não tira os olhos da porta do elevador. Ricardo alterna o olhar entre o relógio e o guarda-chuva. Miguel, por seu lado, coloca-se ao lado da rapariga e respira fundo tentando aspirar o perfume da rapariga.
— Chanel Nº 5, — pensa, — foge, é perfeita. Que corpo. Vou convidá-la para sair, para beber um copo. Esta não me pode escapar. E ainda por cima é bi. Uau, — mede-lhe durante largos segundos as medidas. A rapariga começa a ficar nervosa e farta de levar com a respiração do outro.
— Então logo vamos ao teatro com as gémeas, certo? — perguntou Ricardo?
Miguel cora.
— Que gémeas? Estás sempre no gozo comigo, não é? Bem sabes que eu sou descomprometido, pá. Nem sei de que gémeas estás a falar.
Ricardo observa-o estupefacto. O outro pisca-lhe o olho e manda-o calar. Ricardo notou como a voz do amigo já não era tão máscula.
Finalmente, o elevador pára. Saem os três. Miguel continua a olhar para Anita. Ambos desejam-lhe boa tarde, ela agradece e retribui a boa tarde. Fitaram-na por mais alguns segundos.
— Serena luz que nos enfeitiça, amigo. Mas ela não é para o teu bico.
— Cala-te! Estragaste tudo. Grande amigo me saíste. Amigo da onça. Só a queres para ti, não é? Raios para as gémeas.
— Ah, claro! Olha bem para mim. Achas mesmo que tenho alguma chance com ela. Estás caidinho. Eu não. Estavas em cima dela a fungar. Deves ter tido oportunidade de reparar que tipo de laca ela usa, tarado.
— Extra-forte, não natural.
— Desculpa?
— Ela usa laca de fixação extra-forte.

*